skip to Main Content

Tela Tomazeli l Editora

A mística do quero-quero

O quero-quero cantou para ensinar música a Adão e Eva e depois que eles botaram fora o Paraíso, continua o alarido, mostrando que nem a eternidade foi capaz de conquistar seu silêncio. Mas, desde sempre e para sempre, leva com extremo rigor aquela que é sua responsabilidade principal: anunciar a primavera. E, por aqui, que é tempo do Vinte de Setembro.

Alguns gaúchos, limitados ao redondo de seus quadrados, relegaram o quero-quero à simples e ineficiente função de alcaguete dos campos abertos. Não compreendem que ele grita, apenas em caráter ilusório, para mostrar que seu ninho está em outro lugar, embora saiba que os cachorros e os animais do mato são melhores de olfato do que de ouvido. Na verdade, a algazarra que fazem não é para assustar ninguém, nem para afastar aparentes medos. É a música que desperta a nostalgia que dormia sob a proteção do inverno.

Além dessa distinta função, o quero-quero espelha perfeição física sem necessários retoques – se não fosse pelas penas, deixaria até o cavalo com vergonha. Ele é sacramento da distinção e da beleza natural que coroam a majestade contida em nossos campos. Ágil, esbelto e atento aos louvores que recebe, pisa o chão com elegância principesca, expondo a fraterna harmonia que reza entre nossa terra e os animais que nela vivem.

Para melhor cumprir seu nobre destino, o quero-quero não vive nas árvores, mas estritamente no chão. Isso não por medo das alturas, senão para melhor escutar os murmúrios emitidos pelo ventre da terra e, oportunamente, alertar os moradores da superfície. A rigor, é ele que bate a sineta que espalha, por todos os cantos, a notícia de que o repouso do inverno está terminando e, com ele, o impulso primaveril de recomeço.

Por outro lado, as saracuras, suas vizinhas que gritam destemperadamente previsões de chuva, assumindo incertas responsabilidades, são acolhidas sob delicado impulso de generosidade e consagrado ato de sabedoria. E elas, no aconchego de seus abrigos, observando por alguma fresta de capoeira a grandeza fundamental destinada aos quero-queros, entendem porque jamais qualquer caçador atirou em algum deles.

Edições Antigas

Tela Tomazeli l Editora

Essa matéria tem 0 comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


The reCAPTCHA verification period has expired. Please reload the page.

Back To Top