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Colunista l romeoernestoriegel@gmail.com

CRÔNICA – Rondas de outono

O inverno já apontava na curva do calendário quando saí da colônia agrícola, onde moro, para vir à sede do meu pequeno município, a fim de tratar de assuntos do interesse de meus cavalos. Agradável tarefa, já que eles e eu somos tão harmônicos que até calçamos ferraduras do mesmo número. Cheguei assoviando para disfarçar a incerteza de que ninguém ia notar de onde eu vinha, já que estava cuidadosamente enfiado em roupas que esperava me identificassem apenas como corriqueiro integrante da congregação urbana. Algumas desconhecidas até me olhavam com indissimulada aprovação, o que me dava certeza de outras certezas, e que os olhares bem compreendiam os subjetivos estalos de minhas ferraduras.

Observando o que se passava sobre os contornos do asfalto levei um susto, pensando que não tinha abandonado meus domínios rurais. Embora envolvido pela dominadora presença da civilização  minha alma de agricultor conviveu com pássaros descontraídos, exultando o esplendor da vida.

Eles esperavam, sobre galhos chamuscados pelo sopro impuro dos automóveis e já amarelecendo pelo começo do outono. Serenamente eles aguardavam o amadurecimento dos frutos e o fim dos ciclos vitais de insetos e larvas, com o que iriam alimentar os filhotes resultantes de promissores preâmbulos de primavera e construtivos exercícios de verão. Os trabalhadores que completavam o cenário espalhavam o descanso resultante de boas sementes empresariais entregues à primavera, cultivadas com entusiasmo de verão e recolhidas como prêmios de outono.

A viagem, lentamente, levou-me a pensar em nada, a concluir por nada, a julgar por nada. Com imensa confiança e serenidade, quis deixar-me levar para onde meu espírito quisesse, pelos imaginários caminhos rio-grandenses que quisesse, ao lugar onde quisesse. Não sei por quanto tempo andei, nem pelos lugares por onde passei. Então, por longo tempo, caminhei em minha própria e absoluta companhia, aconselhado, exclusivamente, pelo som de meus passos retumbando ao encontro do lugar onde nasci.

O passeio inesperado consolidou a consciência de que também tenho um lugar no Universo. E esclareceu, por analogia, a força purificadora que colho das rondas que faço pelas estradas que já percorri na minha infância, durante as quais só ouço o som dos passarinhos e o do repicar dos cascos de meu cavalo.

 

“A responsabilidade pelo conteúdo é única e exclusiva do autor que assina a presente matéria”.

Romeo Ernesto Riegel

Colunista l romeoernestoriegel@gmail.com

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