(Mc 2,23-3,6) 9º Domingo do Tempo Comum Jesus não absolutizou a Lei Mosaica, mas também não a vulgarizou. Ele soube posicionar-se diante dela, com respeitosa liberdade, submetendo-se às exigências da caridade. Para o amor sobrepõe-se à Lei e justifica até mesmo seu aparente desrespeito. Só por amor pode-se prescindir da prescrição da Lei. É fácil compreender a posição de Jesus. A Lei foi dada por Deus a seu povo com o intuito de criar laços sinceros de relação com a divindade e com o próximo. Os três primeiros mandamentos do decálogo dizem respeito ao culto devido a Deus. A observância do repouso sabático era considerada uma forma de mostrar-lhe amor. Entretanto, se, num dia de sábado, surge a necessidade urgente de se ajudar alguém, o amor de Deus se mostrará não no cumprimento literal do mandamento, mas sim na ação concreta em benefício do próximo. Fazer o bem em dia de sábado, quando necessário, não só não é pecado, como se torna até um imperativo irrecusável. O amor ao próximo manifesta o amor de Deus. Os fariseus não podiam aceitar esta posição de Jesus que lhes subvertia os esquemas mentais. Ao absolutizar a Lei, eles acabaram por apegar-se à letra da Lei, a ponto de descuidar-se do espírito dessa mesma Lei. A obediência a ela levava-os a desagradar a Deus, e a agir contra o espírito da Lei, identificado como vontade do Pai. Salvar o homem ou deixá-lo morrer? A cena se passa num sábado, dia sagrado em que é proibido qualquer tipo de trabalho. Jesus coloca o paralítico no meio da assembleia e formula claramente o dilema: O que fazemos? Observamos fielmente a Lei e abandonamos este homem ou salvamos infringindo a Lei? O que é que se deve fazer: “...salvar a vida de um homem ou deixá-lo morrer”! Surpreendentemente, os presentes se calam. No fundo de seu coração é mais importante manter o que estabelece a Lei do que preocupar-se com aquele pobre homem, Jesus olha entristecido e “...com um olhar indignado”. A Lei é necessária para a convivência política ou religiosa. Jesus não despreza. Mas a Lei deve estar sempre a serviço da pessoa e da vida. Se um erro acontecer a lei acima de tudo, e propugnar a ordem sócia sem perguntar-nos se realmente está a serviço dos necessitados. A ordem não basta. Não é suficiente dizer: “Antes de tudo, ordem e respeito à Lei”, porque a ordem estabelecida num determinado momento, numa determinada sociedade pode defender os interesses dos bem-instalados e esquecer-se dos desvalidos. Não se pode fazer passar a Lei e a ordem por cima das pessoas, e em especial das mais fracas e mais necessitadas de proteção, então a Lei fica vazia de sentido. A Igreja deveria ser testemunho claro de como as leis devem estar sempre a serviço das pessoas. Nem sempre foi assim. Às vezes fora absolutizadas algumas normas, considerando-as provenientes de “...uma ordem querida por Deus”, sem perguntarmos se realmente ajudam para o bem dos crentes e promovem a vida. Mais ainda. O cristianismo foi praticado não poucas vezes como “uma carga suplementar de práticas e obrigações que vêm tornar mais duro e oneroso o peso, de per si pesado, da vida social”.(Pe. Teilhard de Chardin). Não é suficiente defender a disciplina da Igreja, se esta disciplina não ajuda, de fato, a viver com alegria e generosidade o evangelho. Não é suficiente, de fato, segurança alguma aos mais fracos. No nosso meio existem pessoas necessitadas. Continuamos defendendo a ordem, a segurança e a disciplina ou nos preocupamos em “salvar” realmente as pessoas? Se nos calamos, deveríamos sentir sobre nós o olhar duro de Jesus. Que tipo de religião está conforme os ensinamentos de Jesus? A contribuição mais decisiva de Jesus é fazer vem com firmeza e clareza que a obediência a Deus leva sempre a buscar o bem do ser humano, porque sua vontade consiste em que o homem viva em plenitude. Deus não existe para si mesmo, como diria Maurice Blondel . Deus é Amor, e sua glória consiste precisamente no bem de suas criaturas. Por isso, Jesus coloca a pessoa não diante de uma lei religiosa, mas diante de um Pai cuja preocupação última não é que se cumpra a norma e sim que se busque o bem de todo o ser humano. De acordo com o exegeta alemão Josef Blank, na religião de Jesus “...o próximo toma o lugar da lei e suas necessidades determinam o que se deve fazer em cada situação. Obedecemos a Deus quando ouvimos o chamado que ele nos dirige a partir de qualquer necessidade. O relato de Marcos é significativo. A cena se passa na sinagoga num dia de sábado. Estamos, portanto, num lugar e num dia que devem estar orientados totalmente para Deus. O olhar de Jesus se fixa, porém, num homem que tem uma mão paralisada. De repente lhe diz: “...levanta-te e põe-te no meio. Os fariseus o estão espreitando. Não é uma provocação colocar um enfermo no centro da sinagoga e do sábado? Não é pôr o homem no lugar de Deus? Jesus desafia a todos: “...o que fazer? Cumprir a lei ou curar o homem? Os fariseus se calam, mas Jesus cura o enfermo infringindo a lei do sábado, e deixa clara a sua mensagem: a vontade de sempre busca a vida, a criação, a libertação da pessoa. Por isso é falsa a vivência da religião que leva a desinteressar-se do sofrimento humano. “...o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”. Façamos nossa oração: Senhor Jesus, torna-nos pessoas livres, para que nós possamos fazer sempre o bem ao próximo, mesmo contrariando a letra da Lei. Amém. “A responsabilidade pelo conteúdo é única e exclusiva do autor que assina a presente matéria”.
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