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Colunista l casagrandegilneiricardo@gmail.com

Desfile de Carretas na Festa da Colônia

No que diz respeito a alegoria indiscutivelmente Gramado assume um papel de destaque nos eventos que realiza. O desfile de carretas realizados durante a Festa da Colônia encantam o público de várias formas. O infantil, por verem ao vivo “vacuns” tracionando pesadas carretas, uma mais decorada que a outra, o que agrega valores midiáticos aos desfiles, agrega valor a Colônia que representa e mas infelizmente não agrega valor a cultura imaterial pela insuficiência de registros deste meio de transporte que outrora foi um dos meios de transporte e de subsistência para as colônias.

 

 

Conhecemos a finalidade deste meio de transporte, porém desconheço qualquer rascunho que narrem um “diálogo” de uma com uma carreta. Mas uma coisa é certa: são feitas para durar muitas décadas. Seus  “remendos” são registros materiais do quanto foram usadas. Durante as primeiras levas de imigrantes a carreta foi considerada artigo de luxo e representativa do poder econômico do colono.

Invariavelmente todo registro feito de agricultores do passado, a carreta aparece para mostrar o quanto era necessário para o crescimento da colônia. Há registros onde o sistema de parceria entre colonos funcionava mais ou menos no sistema de troca, ou seja, o colono pagava uma carroça de milho por “x” dias de trabalho aumentando o valor da diária caso o animal fosse necessário para o tracionamento. No Brasil de Jean-Baptiste Debret as carretas não estão presentes ao ponto de demonstrar a sua necessidade visto que o trabalho escravo, muares e cavalares faziam o papel do transporte.

 

Indistintamente, qualquer frente migratória em terras gaúchas até o advento dos trilhos do trem teve que utilizar a carroça como meio de transporte ou os rios navegáveis para vencer as grandes distâncias. Quanto mais íngreme o território, maiores os cuidados com este meio. Foi dentro desta moldura que iniciaram as carretas com quatro rodas para dar maior estabilidade.

Nas terras de Gramado o uso de carroças não foi diferente. Vencer as distâncias com alimentos, com pasto ou com qualquer outro produto extraído das terras as carroças estavam presentes. Mapas antigos, indicavam as estradas do interior como “estrada carroçável”, ou seja, estrada onde era possível o vai e vem de carroças.

Embora sejam poucos, há registros que informam o papel preponderante das carroças no transporte de pedras, madeira e batatas, entre outros.

” Comecei a puxar pedras para construções em 1924, com 14 anos de idade. Eram retiradas das pedreiras de Dengo Dutra, hoje Vila Dutra. Puxei pedras para a construção da Igreja Católica. Neste tempo, Theodoro Michaelsen, comerciante da Serra Grande, me contratou para puxar batatas juntamente com Edmundo, seu filho. Entre as duas carretas puxávamos cento e oitenta sacas de batatas por dia, até a estação férrea na Várzea Grande […] o mais difícil eram os carregamentos de tábuas. Saíamos às quatro e maia da manhã, passávamos pela Linha Furna e íamos em direção à localidade de Bentiví, atravessávamos pela ponte do Raposo para carregar tábuas nas serrarias dos Bozza e dos Zatti. […] na Linha Quinze, havia um carpinteiro, o senhor João Zanatta, que fazia os reparos das tesouras e rodas das carretas…que eram fabricadas em Caxias do Sul, pelo senhor Gobatto.” (depoimento de Ernesto Balzaretti, in Era Uma Vez Gramado, Iraci Casagrande Koppe e Carlos Gilberto Drecksler, 1993, pg.46. Apud Um Cheiro de Vinho – Presença Italiana em Gramado, 2007 – pg 44, AGE Ed.)

Relendo este depoimento percebo a falta que fazem esses “diários de bordo”, uma matriz fantástica que indicaria o crescimento e desenvolvimento de Gramado em todos os sentidos além de oferecer meios indiciários para entender a forma de vida, o dia a dia.

 

Foto da Festa da Colônia de 1996. Motivo da decoração:” Forno a Lenhas – Pães. Fonte Arquivo Público Municipal João Leopoldo Lied-PMG . In Um Cheiro de Vinho – Presença Italiana em Gramado. 2007, pg.46

 

O espaço (temporal), entre a utilização de cavalares como meio de transporte e de sobrevivência material, até as carroças, passando pelos “leiteiros” foi longo para os que necessitavam, e relativamente curto para quem observa o crescimento da cidade. “Parece que foi ontem”, diz uma professora rural no momento em que uma carreta passava à sua frente. – Sente saudades? Perguntei. “Não”, respondeu ela com firmeza. Parei por ali.

 

Considero preocupante que não tenhamos explorado com maior destreza esse universo rural, pois, no passado onde há hiatos, qualquer um pode preencher. Considero mais preocupante ainda a sustentação histórica para as próximas edições lembrando que o evento é um somatório de hábitos e costumes de sujeitos envolvidos com o cotidiano rural sendo a frase “uma homenagem ao homem do interior” um compromisso público que se renova anualmente.

A recuperação, mesmo que fracionada, deste modo de transporte do homem rural é uma das frentes a ser trazida à superfície. Todos aprenderemos!

Qual a probabilidade que o colono que hoje traz sua carroça para o desfile da Festa da Colônia tenha feito o mesmo trajeto de sua colônia até o centro urbano em algum momento do passado? e a que título? Mesmo que os tempos sejam outros, é função das escolas do município recolher estas informações. Reconheço que é um trabalho árduo e penoso ainda mais se dividido com um celular, por exemplo…

Quem não conhece o famoso “arroz carreteiro” ? Talvez esse prato seja, no futuro, uma das poucas referências sobre o tema.

 

Agradecimento especial ao Fotógrafo Rafael Cavalli pela cedência, sem custo, da foto acima.

 

Casagrande

 

“A responsabilidade pelo conteúdo é única e exclusiva do autor que assina a presente matéria”.

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