I nostri migranti a léser i gá impará sensa scola a parlar in brazilian
(Os nossos imigrantes aprenderam, sem escola a falar o português)
Estamos há poucos dias da abertura da 32ª Festa da Colônia, festividade regional que cada vez mais atrai pessoas de todos os interesses. Entretanto, há reflexões que este tempo festivo, por si só, deixou para trás. O município cresceu de forma magistral levando, trazendo e oferecendo as colônias, meios para uma subsistência diferenciada de muitos municípios gaúchos quiçá brasileiros.
O interior de Gramado, há anos vem se tornando não só um “case”, turístico, mas com um olhar ainda maior quando o assunto é imobiliário. O tempo será testemunha de quantas Festas da Colônia ainda teremos colonos para enaltecer.Torço que muitas ainda nos envolva sem necessidade de “importar mão de obra” como ocorre em outros eventos onde os sotaques formam um lindo mosaico
Uma das palavras mais diluídas no período do evento está ligada às “tradições”, “usos” e “costumes”. Separadas, têm um sentido. Juntas e dentro dos contextos próprios emanam, uma responsabilidade social e econômica indiscutivelmente séria. Notadamente as funções contextuais das palavras é trazer para o presente um passado relativamente pouco estudado em seus rituais.
Casal Francisco e Angelina Perini – filhos: Iria, Otília, Francisca, Pierina, José Francisco, Cecília, Nair, Josephyna, Irma, Zilla e Jayme. O dialeto italiano era a tônica das conversas…
Sejamos práticos e pontuais. Nesta construção fico somente com a italianidade.Vejamos algumas curiosidades. Uma das portas para estudar grupos sociais é mergulhar na sua alimentação. Grande parte da riqueza está ali. A nonna ou a tia ou a mãe que passa uma receita oxigena a tradição, mantém o uso dentro da família que será a responsável por estabelecer um hábito, um costume. O gaúcho fez um trabalho exemplar; entregou ao imigrante italiano o churrasco muito mais do que o italiano a massa.
A alimentação dos primeiros colonos italianos é um dos maiores exemplos no que diz respeito à “tradição” das práticas culinárias. Os nossos ancestrais, ao partirem para a roça, uma das tarefas das mulheres era preparar os insumos para o almoço, pois o dia era de sol a sol. A fortáia – assim mesmo, com o acento tônico no “a” por ser uma expressão criada pelo dialeto italiano. Onde está? Quem recorda da frase ” La nonna fá na fortáia co ovi sbatúdi ”
Em que baú foi colocado a frase “I primi coloni magnava na fetina de formáio co na fetona de polenta” a qual expressa a quantidade do que era permitido comer? A palavra, unida ao ato e colada ao que o colono possuía, aos poucos, foi moldando o nosso dialeto. Isso é lembrado?, isso é exigido pelo colono de descendência italiana? Não!
Mário Gardelin registrou: ” A presença de imigrantes italianos, à área rural é de 1875. Simples, dedicados ao trabalho de sólidas familias, falavam eles comumente o seu dialeto. Entendiam, é evidente, o italiano gramatical e, com algum esforço, muitos deles conseguiam até redigir ou expressar-se nela. O dia-a-dia entretanto, era o vêneto, fala que se tornou comum”.(Stawinski, Alberto Vitor/EDUCS, p. 1.1985)
As palavras de Gardelin são um forte exemplo para explicar o que seja a tradição. A passagem, a transmissão da palavra de uma geração para outra. A pergunta que fica quais são os motivos ou fatores que nos impediram de trazermos essa cultura imaterial para os tempos atuais, tão rica em conteúdo? Há vários motivos e somos capazes de alinhar um exercito de motivos para justificar onde um acaba o outro inicia. Uma das questões que nos levaram ao abandono era o “status” social entre o homem da colônia e o homem urbano, enfim, uma hipocrisia alimentada por todos.
“Homenageamos as nossas tradições” ouve-se dos palanques. Para isso, diria o pensador: ” un fiá de spiegassion“. Vejamos o que disse o autor do Dicionário Vêneto Sul Rio Grandense, Stawinski, Alberto Vitor:” No passado, aqui no Rio Grande do Sul muitos netos de imigrantes italianos, vindo do Vêneto, sabiam falar bastante bem o seu dialeto…mas está desaparecendo. Tanto é assim que são raros, assim como moscas brancas, aqueles que ainda falam… Seria, então, lamentável maltratar esse patrimônio valioso. Urgia, pois, salvar aquilo que ainda, se poderia salvar.”
Fico a imaginar como seria valioso se apresentássemos nossa cidade, nossos cardápios, os pontos turísticos, nossas artes, nossas colônias, nossos produtos … dentro deste universo utilizando aquilo que não nos deram o direito de escolha: aprender o dialeto.
O dialeto ancestral nos levaria a compreender e viver pequenos conceitos transmitidos pela oralidade (vista como metodologia), recurso ainda com pouco crédito em nossas terras, em especial no espaço rural. O abandono da oralidade inibe o sucesso da “tradição”. A expressão “Colônia” que originalmente se destina a estabelecer o espaço de produção agrícola, no dialeto se transforma em sinônimo de roça: ” I imigranti i laorea in colônia”, o imigrante trabalhava na roça. Outra rica contribuição que nasceu do hábito/costume ” la matina i costuma ciuciar el simaron” ou pela manhã o (colono) costuma e tomar/sorver o chimarrão.
São pequenos e ricos exemplos frente a um universo que corre o risco de não pertencer mais à de descendentes de italianos por “descuidos” das várias frentes comunitárias. A festa da colônia, vista como um evento onde a alimentação oferecida é farta e diversificada, onde a produção rural, é fruto das vozes do passado que dialogam com o que lhes foi transmitido, poderia abrir este “espaço de fala” (muito usado nos últimos tempos…).
Aceitemos ou não o culto das tradições, dos usos e dos costumes deveriam ser tão eloquentes em nosso cotidiano, quanto sua prática é no palanque.
Casagrande
Imagem: Divulgação
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