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Colunista l casagrandegilneiricardo@gmail.com

Linha 28 – Um elo na cadeia de mulheres empreendedoras.

Para colocar o tema “empreendedorismo feminino” na pauta indiscutivelmente tenho que olhar a Linha 28 de cima para baixo. Tenho que trazer o passado para o presente para poder reconstruir esse roteiro. O trabalho na roça, o cabo de uma enxada, uma foice, o cuidado com a “criação”, termo usado para os animais domésticos, o sol, que tomou o lugar do despertador por décadas são fatores que marcaram as sucessivas gerações de mulheres nascidas nesta localidade. Com o passar das décadas, vieram outros utilitários fazendo com que a mulher abandonasse a “traversa”, outra criação linguística do dialeto italiano para identificar o avental usado na cozinha. A construção social das famílias do passado estavam sob os trilhos do patriarcado onde as mulheres eram moldadas  para serem cópias fiéis de suas mães. Por décadas, a obliqua interpretação das prédicas religiosas impunha à mulher um fardo existencial impossível de ser ultrapassado mesmo com a “abertura” promovida pela  ala liberal da Igreja católica a partir do Concílio Vaticano II. A escola, por muito tempo, tentou limitar a capacidade “empreendedora” feminina impondo no seu vértice a altura da saia  do uniforme da estudante que pouco adiantou. Restavam a esta jovem poucos caminhos, ou a mulher subiria os degraus do magistério ou passaria, por muito tempo, juntando panelas e outros utilitários domésticos que formariam seu enxoval. Quanto menor era a sociedade maior eram os desejos femininos pela liberdade. A revistas mensais de “fotonovelas” duravam pouco nas prateleiras. O movimento da “Jovem Guarda” fez seu papel levando a gaúcha Elis Regina aos palcos e a mini saia estremeceu parte da sociedade.

[…]

Dando uma rasante sobre as terras da Linha 28, sem muito esforço, dá para dizer que nesta localidade nasceram mais mulheres que homens. E, dentro deste quadrante encontram-se peculiaridades que servem para identificar o avanço feminino em direção à maturidade das gerações.

 

Se, o trabalho na roça dava dignidade e sustento, em contrapartida não oferecia a menor segurança em todos os sentidos. A cidade cresceu desfraldando a bandeira do turismo e este movimento, retirou da casa paterna um verdadeiro batalhão de mulheres atraídas pelas malharias e artesanatos. Esse movimento social infelizmente nunca foi tratado com a devida atenção histórica, social e econômica o que retira um pilar da formação da cidade. A impressão que dá é que os bairros, em especial o bairro Piratini e o bairro Floresta e o bairro Dutra são fruto da “geração espontânea”. Essa troca de endereço possibilitou algo que jamais as colônias ofereciam às mulheres e aos homens: Carteira de Trabalho, descanso semanal, salário mensal, hora extra remunerada  e férias. Dentro deste universo várias mulheres se tornaram empreendedoras.

 

Enquanto lá a provisão da casa, marido e filhos era preocupação das mulheres, os anos possibilitaram uma nova percepção de mundo. Veio uma recheada lista de instrumentos sociais que possibilitaram às mulheres se tornarem independentes e gradativamente substituíram o tempo dos afazeres domésticos por alguma profissão. Hoje os delivery ‘s, congelados,  creches, babás e mais um carro na garagem, entre outros serviços e produtos auxiliaram na independência das mulheres. Esta independência deve ser vista como uma construção social. O espelho retrovisor fez um belo trabalho.

Num outro voo rasante sobre a Linha 28, um micro fenômeno etnosocial aparece de forma singular. Quatro mulheres cuja descendência faz parte do tronco ancestral formado por Augusto Bordin e Josephina Amalcaburio Bordin, estabelecem um diálogo com a cidade ao se tornarem mulheres empreendedoras.

 

Ginez Mari Perini

 

Ginez Mari Perini, neta do casal Angelina Bordin e Francisco Perini, assume uma das cadeiras da direção do Hotel Serra Azul, empreendimento familiar idealizado pelos pais José Francisco Perini e Hermida Zatt Perini no final dos anos 70.   Enquanto gestora, convivia com a responsabilidade, seja na implantação de um novo formato da hotelaria com a perspectiva de revisar a hospitalidade representada pelos serviços.  O tempo exigiu tudo de todos, sendo o conforto do hóspede o imperativo, a tônica do investimento. A estas exigências somava-se às expectativas de uma vasta rede externa composta por empresários de todas as vertentes conquistadas através dos anos. Para a cidade, era o nascimento de uma grande estrutura hoteleira situada no ponto zero do município e para o turismo um incremento para o tímido e pontual calendário. O selo da Embratur que elevou a categoria do hotel para cinco estrelas, multiplicou por cinco não só as responsabilidades, e muito provavelmente serviu de incentivo para outros investimentos. O seu profissionalismo a levou a presidência do Sindicato da Hotelaria, estreitou ainda mais os laços internos e externos frente a crescente pauta de eventos mantendo uma posição de liderança diante de uma presença essencialmente masculina. O decurso do tempo, o aumento dos investimentos e as responsabilidades não a intimidaram, ao contrário, a transformaram numa empresária seguida por outras mulheres num universo até então restrito.  O tempo para esta empreendedora não foi inclemente, ao contrário, sedimentou frente a comunidade sua personalidade, seu carisma entre outros atributos civilizatórios que a faz ser lembrada com afeto por quem esteve sob seu comando. Esse afeto é provocado inegavelmente pelo seu carisma e bom humor.

 

Patricia Klauck Moras e Carolina Klauck Moras

 

As irmãs Patricia Klauck Moras e Carolina Klauck Moras, bisnetas de Augusto Bordin e Josephina Amalcaburio Bordin revelam a fisionomia de uma geração onde a mulher poderia explorar outros mundos. Encontra-se na trajetória de ambas, outros países, outros idiomas e outras culturas que se somaram, indiscutivelmente aos berços ancestrais (Klauck, por parte de mãe), onde o italiano e o alemão por união dos pais, deixaram registros marcantes em suas memórias afetivas.

Os aromas e sabores, contemporâneos, repaginados ou não, as acompanham desde sempre. Esses atributos foram fundamentais e provavelmente pesaram na hora da decisão de se tornarem empreendedoras voltadas à gastronomia, numa cidade, onde há décadas, o investimento sempre foi expressivo. Dessa tenacidade nasceu o Josephina, uma bela combinação  entre bistrô e restaurante, que nada deve a seus pares espalhados pelo mundo além do que está situado num dos espaços mais caros e cobiçados do coração de Gramado.  Antiga casa onde a família Klauck viu a cidade crescer e se desenvolver foi remodelada. Sua transformação sublinha a riqueza da etnografia da cidade pois em seu interior, a profusão fotos formam um livro onde a micro história familiar sustenta, silenciosamente, um passado que se mistura num cardápio despretensiosamente atraente quer aos olhos quer ao paladar. Patricia e Carolina, são jovens empreendedoras que não menosprezaram as oportunidades intelectuais e materiais oferecidas ao longo dos anos, ao contrário, as potencializaram. Meu desejo de sucesso às duas é eterno, junto com ele, torço para que a risada da Carolina continue sendo um tônico para a alma.

 

Maristela Bordin Tomazeli

 

A quarta empreendedora é Maristela Bordin Tomazeli, mais conhecida como “Tela“, neta de Olga Casagrande Bordin (foto) e Pedro Bordin, este filho de Augusto Bordin e Josephina Amalcaburio Bordin com berçário na Linha 28. Seus passos largos e determinados revelam, em parte, a sua personalidade e apontam que o tempo não pode ser desperdiçado. É alta e altiva. Há quinze anos fundou a revista online Gramado Magazine, com edições semanais onde os assuntos variam, o que permite ao seu leitor estar por dentro dos principais acontecimentos da cidade e região. Soube criar uma rede de colaboradores, o que sintomaticamente, revela confiança recíproca, entre estes.  Capitaneia eventos o que alarga sua visão de empresária e de mundo. Tela, tem um estilo próprio que não a “esconde” por onde passa o que lhe permite “entrar e sair” com leveza e relativa discrição.  É uma profissional “online”, por onde passa seu “olho eletrônico” capta o fato que logo vai para as redes sociais.  Não esconde suas preferências e, onde o assunto é polêmico, o enfrenta com tenacidade, outro traço que revela sua personalidade. Maristela é “territorial”, “…-  viajo menos do que deveria…” declarou certa vez. Esse comportamento não lhe tira a competência de se comunicar, ao contrário, potencializa seu enunciado.  Disso sou meu próprio depoente  – “Com relativa dificuldade de alinhar o texto com as fotos, bastou três ou quatro áudios para entender que a executiva não iria perder seu tempo em fazer a rede, jogá-la ao mar e me entregar o peixe” “…não precisa inventar a roda é só isso” finalizou. Frente a tudo isso, tive que fazer o meu melhor. Creio que deu certo!

 

Torço para que chegue o dia em que cronistas impetuosos arrombem as portas das memórias sociais, coletivas ou individuais e tragam à tona mais e mais pessoas, e, que seus feitos sirvam para preencher os espaços, quem sabe, ainda em branco.

 

Casagrande

 

“A responsabilidade pelo conteúdo é única e exclusiva do autor que assina a presente matéria”.

 

Fotos: Arquivo pessoal.

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