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Colunista l casagrandegilneiricardo@gmail.com

 “quando il nipote non ascolta il nonno, il ciclo della vita si interrompe.” 

“quando o neto não escuta seu nonno, o ciclo da vida (historica), se interrompe.” – Desconheço a autoria, mas é uma verdade.

Foto: Angelina Perini, matriarca. Ao fundo o paiol. Ano provável: início dec.70

 

Como Esses Colonos se Alimentavam ? – Um cotidiano Rico em Experiências!

Quer a roça, quer os animais domésticos eram cuidados com muita atenção pois dali vinha a subsistência de todo, independente da idade. Por anos, na minha primeira infância, participei do cotidiano seja da minha família seja das famílias vizinhas e hoje dá para dizer que só mudavam as pessoas. Tudo era igual, como as portas das casas sempre abertas.

Segundo a tradição, quando as primeiras pinhas das araucárias “estouravam” espalhando os pinhões pelo chão, era prenúncio da “carneação” ritual que envolvia não só a família, como alguns vizinhos, no sistema de ajuda mútua.

Durante o ano anterior alguns animais domésticos eram separados para a engorda, em especial os suínos que seriam responsáveis pelo abastecimento do ano que iniciava.

Daí a importância do milho para qualquer colono.

Pulemos o abate dos suínos. Invariavelmente todas as propriedades possuíam um “paiol”, sendo que a sua construção se alinhava ao declive do terreno o que possibilitava que a parte de baixo servisse de estrebaria onde os vacuns passavam a noite, após a ordenha. Pela manhã depois da ordenha, as cancelas eram abertas para que fossem ao pasto. Na parte superior, espaço onde eram guardados os instrumentos de uso na propriedade como foices, enxadas, picaretas, debulhador de milho, facões, uma carroça […], e a lenha sem contar com um grande espaço para as espigas de milhos. Havia um pilão para transformar o milho em “quirela” para pintos recém chocados.

Os porcos (entre de seis a oito), eram um a um, literalmente jogado sobre uma mesa (que aparece na foto tres). A partir daí eram exclusivamente as mulheres que dominavam o espaço. As facas da “carneação” afiadas no dia anterior, eram verdadeiros bisturis. Os porcos eram fracionados segundo as necessidades e, em questão de horas, eram multiplicados.

 

Plantel de suínos separados para a “engorda”

 

Dentro da tradição oral da família e provavelmente de muitas outras famílias, informa que os tachos de cobre começaram a aparecer em casas comerciais da Vila de Gramado ou comprados de ciganos que transitavam pela região. O tacho tinha várias funções, fosse  no tempo das frutas ou não. Colocado sobre um tripé de ferro onde o fogo iria arder por horas.A gordura virava banha e em suculentos torresmos prensados até a última gota de gordura. Isso serviria como parte do alimento da família durante o ano. As partes nobres de três a cinco porcos eram “seladas” no mesmo tacho e depois colocadas dentro de grandes latas cobertos de  banha que davam longevidade às peças. Os demais se transformariam em linguiça, morcela ou morcilha e socol ou copa ou ainda ossacol (lombinho temperado e amarrado com barbante. As morcilhas, brancas ou pretas, também guardadas em latas com banha, o restante  era colocado em dezenas de “varas” penduradas no porão longe do alcance de visitantes de quatro patas. Nunca faltou o toucinho, hoje o bacon, que eram pendurados sob um modesto braseiro, por dias, para serem defumados.

Indiscutivelmente minha paixão pela cozinha rural nasceu nestes rituais ao ver minha nonna e tias manipularem os temperos onde a mão eram as medidas. Réstias de cebolas e alhos também faziam parte desta cerimônia. Contudo, para nos manter afastados nossa tarefa era recolher pinhões que junto com espigas de milhos e um saldo de linguiças eram assadas num pequeno braseiro cuidadosamente feito em local seguro.

Ao anoitecer, depois de um dia exaustivo de trabalho iniciado lá pelas cinco horas da manhã, era hora da celebração, com pães de milho, que sublimavam o sabor do torresmo. Garrafões de vinho tinho faziam parte desta quermesse familiar.

 

Fornada de Pães. Na foto,Angelina e Nayr Perini, mãe e filha.

 

Cada canto da propriedade era utilizado. Nas encostas dos morros centenas de pés de milho podiam ser vistas de longe era uma diversão ajudar a “quebrar o milho”, ou seja dobrar o pé para que as espigas ficassem voltadas para o solo o que servia para secá-las naturalmente. Depois de secos as espigas eram retiradas e os pés arrancados do solo pois serviria para a forragem dos animais no inverno. No fim desta estação, nova peregrinação, era a vez da semeadura. Outra festa para as crianças.

O grande temor dos colonos, num passado distante, eram as “nuvens” de gafanhotos contra as quais nada podia ser feito.

Outro ítem fundamental na alimentação dos colonos era a farinha de milho, dela viriam a polenta e o pão de milho. Ainda, uma vez levemente torrada a farinha era misturada ao leite,  o mingau! Uma diversão sempre esperada era quando se ia na roça para “dobrar os pés de milho” para que as espigas secassem. Meses depois, vinha o arado tracionado por uma junta de bois e novamente o plantio.

Aurélio Broilo, cuja família morava na Serra Grande, fez da Linha 28 sua parada ao casar com Giacomina Bordim, irmã de minha nonna, Seu moinho movido à água servia a região com farinha. Era uma festa quando íamos lá. O aroma da moagem do milho ainda me sonda, o que reforça minha devoção pela polenta. A tia sempre tinha uma bolacha de milho para oferecer.

 

Roça de milho na propriedade de Joni Moraes – Linha 28

 

Família de Aurélio Broilo e do Joni Moraes

 

Cabia às mulheres as tarefas dentro e fora de casa. Portanto, a horta, espaço destinado ao plantio de tudo o que podia ser consumido era vigiado com rigor. Minha nonna não permitia a entrada de homens porque, segundo ela, não cuidavam por onde pisavam. Certa ou não, era respeitada. Desde muito pequeno eu ia com ela ou com a tia Nayr, sempre pela mão, e, ao me deixarem arrancar algum pé de cenoura ou rabanete ou colher algumas vagens ou ainda ervilhas, fazia eu me sentir importante. Invariavelmente as hortas eram feitas próximo a alguma vertente, a um barranco ou a um arvoredo visando a proteção contra as chuvas de pedra, geada ou neve. No retorno, passava-se pelo galinheiro. Neste universo o imperativo era sempre ter cebolas de cabeça, alho, salvia e tomates que invariavelmente  se uniam aos temperos verdes com destino a mesa. O manjericão e o alecrim vieram muito tempo depois. Porém, plantio de batatas, aipim, moranga, rabanete, chuchu, nabos e o radicci, batizado pelo dialeto como “raditi”  eram fundamentais nas culturas sazonais dos colonos.

Ter um plantel de galinhas era a segurança das famílias. Jamais eram abatidas as galinhas poedeiras as quais ficavam separadas. As que não davam mais ovos eram colocadas na “capunera” uma palavra que nasceu no dialeto italiano, mas que serviu para identificar o local frente às demais. Contudo, o abate de uma galinha “velha” só era possível quando alguém adoecia, para fazer um “brodo” (ou caldo), ou ainda para socorrer a cozinheira frente a uma visita inesperada.

 

Angelina Perini em seu galinheiro. As moças são turistas em visita a propriedade.

 

Ter vacas leiteiras e uma “junta de bois” era necessidade e não posição social. Os bois auxiliavam na tração das carroças e no arado. As vacas leiteiras, estas sim, supriam as necessidades básicas com o leite diário, a nata que virava manteiga e, se a produção do leite fosse boa, o queijo era mais um ingrediente na mesa. O leite e derivados passaram a ser largamente consumidos na medida em que a Vila de Gramado aumentava. Esse comércio ajudou na manutenção das famílias. Esse tema será abordado numa outra oportunidade.

 

Touro Gersei de nome “Ernesto” – Premiado com 1º lugar em 1959 numa exposição Agropecuária em Canela/RS. Na guia, Alcides Capelletti, morador da Linha 28.

 

Os relatos e as descrições acima são memórias da minha infância na casa dos meus avós Francisco e Angelina Perini, moradores da Linha 28. É muito provável que os ambientes e atividades tenham sido semelhantes nas propriedades ali localizadas.

 

  • As fotografias estão sob minha curadoria.

 

ERRATA – O nome correto do casal de noivos cuja foto foi publicada na edição nº 829 é Adelina Benetti Wiltgen e Waldomiro Wiltgen. Não houve intenção de subverter a veracidade da imagem.  Peço desculpas pelo equívoco.

 

Casagrande

 

“A responsabilidade pelo conteúdo é única e exclusiva do autor que assina a presente matéria”.

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