Não desanimar
(Lc 18,1-8)
29º Domingo do Tempo Comum
Com a parábola da pobre viúva, vítima da injustiça, Jesus ensinou seus discípulos a orar sem esmorecer. A oração incessante, porém, é própria de quem tem um coração de pobre.
De propósito a personagem central da parábola é uma pessoa triplamente marginalizada: por ser mulher, pobre e viúva. Sendo mulher, sua denúncia contra o injusto adversário carecia de valor. Sendo, pobre, faltavam-lhe recursos materiais para mover um processo contra o opressor. Sendo viúva, não tinha marido, um homem para apoiá-la no seu pleito. Estava só, na sua fraqueza, diante de um juiz a quem competia fazer-lhe justiça. Pior ainda, tratava-se de um juiz desonesto, sem temor de Deus nem respeito pelas pessoas. A pobre viúva encontrava-se, pois, numa situação totalmente adversa. Entretanto, estava disposta a fazer valer seus direitos. E conseguiu, por causa de sua obstinação.
Algo semelhante acontece na oração. Só recorre a Deus, com perseverança, quem se sente pobre, indefeso, consciente de que só dele provém o socorro. Não existe outra esperança. É nesta condição de total indigência que o fiel se volta para Deus. Anima-o a absoluta certeza de ser atendido. Daí a obstinação.
Jesus garante que o Pai está sempre pronto a acolher a oração do pobre, mesmo que o faça esperar. É necessário apenas perseverança!
O clamor dos que sofrem:
A parábola da viúva e o juiz sem escrúpulos é, como tantas outras, um relato aberto que pode suscitar nos ouvintes diferentes ressonâncias. De acordo com Lucas, é um chamado a orar sem desanimar, mas é também um convite a confiar que Deus fará justiça a quem lhe suplica dia e noite. Que pode encontrar hoje em nós este relato dramático que nos lembra tantas vítimas abandonadas injustamente à própria sorte?
Na tradição bíblica, a viúva é símbolo por excelência da pessoa que vive só e desamparada. Esta mulher não tem marido nem filhos que defendem. Não conta com apoios ou recomendações. Só tem adversários que abusam dela e um juiz sem religião nem consciência a quem não importa o sofrimento de ninguém. O que a mulher pede não é um capricho. Só reclama justiça. É este seu protesto, repetido diante do juiz: “Faze-me justiça”. Seu pedido é o de todos os oprimidos injustamente. Um grito que está na linha daquilo que Jesus dizia aos seus: Buscai o reino de Deus e sua justiça”. É certo que Deus tem a última palavra e fará justiça aos que clamam a ele de dia e de noite. É esta a esperança acesa em nós que chega esta hora, o clamor dos que vivem gritando sem que ninguém escute seu grito não cessa.
Para uma grande maioria da humanidade, a vida é uma interminável noite de espera. As religiões pregam salvação. O cristianismo proclama a vitória do amor de Deus encarnado em Jesus crucificado. Enquanto isso, milhões de seres humanos só experimentam os abusos de seus irmãos e o silêncio de Deus. E muitas vezes somos nós mesmos, os crentes, que ocultamos seu rosto de Pai, cobrindo-o com o nosso egoísmo religioso.
Por que nossa comunicação com Deus não nos faz ouvir de uma vez o clamor dos que sofrem injustamente e clamam a nós de mil formas: “Fazei-nos justiça”? Se, ao rezar, nos encontramos verdadeiramente com Deus como não somos capazes de ouvir com mais força as exigências de justiça que chegam até seu coração de Pai?
A parábola nos interpela a todos nós crentes. Continuaremos alimentando devoções privadas, esquecendo os que vivem sofrendo? Continuaremos orando a Deus para pô-lo ao serviço de nossos interesses, sem nos importarmos muito com as injustiças que há no mundo? E se orar fosse precisamente esquecer-nos de nós e buscar com Deus um mundo mais justo para todos?
Para que serve rezar?
São muitos, sem dúvida, os fatores que provocaram a desvalorização da oração em nossa sociedade. Não é algo casual que fomos perdendo a capacidade de invocar a Deus e de dialogar sinceramente com quem é a fonte de nosso ser. Numa sociedade na qual se aceita como critério quase único de avaliação da eficácia, a renda e produção, não é de estranhar que surja a pergunta pela validade e pela eficácia da oração. Para que serve rezar?
Dir-se-ia que entendemos a oração como um meio a mais, um instrumento a mais para conseguir alguns objetivos determinados. O importante para nós é a ação, o esforço, o trabalho, a eficácia, os resultados. E naturalmente, quanto temos tanta coisa para fazer, rezar nos parece uma “perda de tempo”. A oração pertence ao mundo do “inútil”. Seria um equívoco pensar que nossa oração só é eficaz quando conseguimos o que pedimos a Deus. A oração cristã é “eficaz” porque nos viver com fé e confiança no Pai e em atitude solidária com os irmãos.
A oração é “eficaz” porque nos torna mais crentes e mais humanos. Abre os ouvidos do nosso coração para escutar com mais sinceridade a Deus. Vai purificando nossos critérios e nossa conduta daquilo que nos impede de ser humanos. Alenta nosso viver diário, reanima nossa esperança, fortalece nossa fraqueza e alivia nosso cansaço.
Aquele que aprende a dialogar com Deus e a invoca-lo “sem desanimar”, como nos diz Jesus, vai descobrindo onde está a verdadeira eficácia da oração e para que serve. Serve simplesmente para viver.
Não desanimar:
Uma das experiências mais desalentadoras para o homem de fé é comprovar sempre de novo, que Deus não ouve nossas súplicas. Deus não parece comover-se com nosso sofrimento. Não é de estranhar que esta sensação de indiferença e abandono por parte de Deus leva mais de um ao desengano, à irritação ou à incredulidade.
Desde o começo do mundo há sofrimentos que aguardam uma resposta. Por que morrem milhões de crianças sem conhecer a alegria? Por que ficam desatendidos os gritos dos inocentes mortos injustamente? Por que não acorre ninguém em defesa de tantas mulheres humilhadas? Por que há no mundo tanta estupidez, brutalidade e indignidade?
Naturalmente é Deus o acusado. E Deus cala. Cala por séculos e milênios. Podem continuar as acusações e os protestos. Deus não abandona seu silêncio. Dele só nos chegam as palavras de Jesus: “Não temas, apenas tem fé”. Jesus morreu experimentando o abandono de Deus, mas confiando sua vida ao Pai. Nunca devemos esquecer dos seus dois gritos: “Meu Deus, por que me abandonaste”. E “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Nesta atitude de Jesus está recolhido o núcleo da súplica cristã: a angústia de quem busca proteção e a fé indestrutível de quem confia na salvação última de Deus. A partir desta mesma atitude ora o seguidor de Jesus: “Sem desanimar”.
Façamos nossa oração:
Espírito de perseverança na oração, dá-nos um coração de pobre, que se volte para o Pai, conscientes de que só de ti pode vir em socorro de nossas necessidades. Amém.
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