O sabor das geadas II
Os gramadenses, como todos os românticos, cultivam o pensamento genérico de que para morrer pobre o que eles têm chega. Sempre foram mais atraídos pelo encanto das honestas aparências do que pela vulgaridade do dinheiro e em casos um pouco mais delicados, refugiam-se no objetivo de salvar a alma, seja de quem for. Dizem que foi através desse pensar que tornaram a cidade rica.
O verdor das matarias salpicado de branca geada, fica parecendo pedaço de paisagem que escapou de um cartão postal. Cristais de barro congelado, pequenos lagos que viram espelhos, grama lisa como sabão, constituem a realidade de nossos tempos, assim como de todos os tempos que temos vivido. Gramado é mais Gramado, quando atrai gente pelo que vem da terra, ao invés do esforço de mentes criativas e ímpeto de braços que nunca cansam. Vale muito a alegria de saber que o patrocinador vem do céu e não de empresas que obrigam alguns dirigentes nossos a alugar o traseiro, perdendo a digna liberdade de sentar-se quando quiserem.
É claro que o silêncio do frio e a atração dos aconchegos, conduzem à busca de reminiscências. A mais comum, e solidamente esculpida em nosso folclore, é a de fazerem pessoas de mais idade se intimidarem antes de repetir a habitual cantilena de que “ frio mesmo era o de antigamente, quando eu era novo”. Mas, como o ser humano sempre foi os mesmo, jovens de hoje vão fazer propaganda do frio deste ano quando tiverem a idade em que as lembranças forem seu maior patrimônio. E, como sempre, ninguém acreditará neles.
2022 mostrou aos gramadenses que geada significa bem mais do que bons negócios ou cândidas figuras de turistas, tirando retrato até da ponta avermelhada de seus narizes. Ela, para os nativos como eu, têm o sabor da esperança de sempre garantir a identidade de um lugar que teima em continuar sendo ele mesmo.
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