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INEVENTÁRIOS – “2020 foi um ano de muita tristeza”

Especialista comenta o número de processos abertos no Brasil em 2021

Em 2021, abriu-se mais inventários no Brasil do que jamais antes: o ano fechou com mais de 219 mil escrituras lavradas, em comparação com 156 mil em 2020, primeiro ano da pandemia — um salto de cerca de 40% de acordo com os dados do Colégio Notarial do Brasil, entidade que representa os mais de 8 mil cartórios de notas que existem no país.

Para a advogada e especialista em Direito de Família pela USP, Cláudia Stein, sócia do Stein Pinheiro e Campos Advogados, o fenômeno não é fortuito e tem relação com a pandemia. “Eu não tenho dúvidas quanto a isso. Em 2020, as pessoas estavam muito vulneráveis; houve muitos falecimentos sem a lavratura da escritura de inventário, e isso acabou ocorrendo em 2021. 2020 foi um ano de muita tristeza. Não que 2021 não tenha sido também triste para as famílias, mas elas já estavam, de certa forma, menos vulneráveis para a lavratura dessas escrituras. O Colégio Notarial nos dá o número de escrituras lavradas, mas não a informação dos anos em que os óbitos ocorreram; penso que vários são referentes a 2020.”

Em 2021, as coisas mudaram um pouco neste cenário, segundo a advogada. “No ano passado houve também uma liberação um pouco maior para que as pessoas saíssem, fossem aos tabeliães, em meio à pandemia. No Brasil existe, sim, o e-notariado, um certificado digital em que você consegue lavrar escrituras, mas, quando os cartórios estavam de portas fechadas, não conseguíamos emiti-lo. No ano passado a emissão desse e-notariado já ficou muito mais fácil. Hoje o Brasil tem um sistema de cartório fantástico: podemos fazer tudo à distância. ”

Cláudia Stein reitera que abrir o inventário é obrigatório no Brasil “no prazo de dois meses a contar do falecimento — ou o judicial, no fórum, ou as pessoas fazem um acordo e lavram uma escritura, porque as escrituras só podem ser lavradas se houver acordo entre os herdeiros”. Ela acrescenta que, “além disso, se houver menores, é necessária uma autorização judicial para que o inventário seja celebrado por escritura. ”

A advogada adverte que o atraso na abertura do inventário pode levar a multas, mas que elas dependem muito de cada estado. “O imposto sobre a morte é estadual e essa multa é colocada no cálculo do imposto. Mas não é preocupante. A multa pior é justamente do pagamento do imposto, porque o imposto tem prazo a depender do estado, novamente. Por exemplo, no Paraná, nós podemos pagar o imposto causa mortis até 30 dias depois de celebrarmos a partilha. No Estado de São Paulo, temos de pagar em 180 dias a contar da morte. Então, tem de olhar as legislações estaduais; o não pagamento do imposto dentro do prazo, sim, leva a sanções bastante pesadas.

Outra variação a cargo de cada estado é o valor a ser pago sobre os bens deixados pelo inventário. “Cada Estado tem uma alíquota; por hora, uma das alíquotas mais baixas no Brasil é a de São Paulo: aqui, pagamos 4% sobre o valor dos bens deixados. Em outros estados, essa alíquota pode chegar até 8%. Quem fixa a alíquota máxima é o Senado. Mas acho que a qualquer momento isso pode aumentar.”

A depender da legislação, este valor pode ser dividido entre os herdeiros. A especialista esclarece. “A Legislação de São Paulo, por exemplo, diz que cada herdeiro paga o imposto relativo àquilo que recebe. Mas e quando esses assuntos são levados a juízo? Olha, tem tanto decisão dizendo que quem paga é o herdeiro quanto decisão dizendo que quem paga é o próprio espólio: pega a totalidade do patrimônio, o espólio paga o imposto e depois fazemos a divisão. A priori, se nós formos seguir a legislação, o contribuinte é o herdeiro, jamais o espólio.”

Cláudia Stein explica quais são os inventários que existem no Brasil atualmente. “Há o inventário judicial, no fórum; esses inventários são comumente para os casos em que os herdeiros não fazem acordo — porque anteriormente a existência de um testamento era um impedimento para ter a escritura de inventário. A maior parte dos estados acabou com isso: basta conseguir uma decisão judicial de cumprimento daquele testamento — e aí vai ao cartório lavrar a escritura, de acordo com o testamento. Há também o inventário no fórum que é litigioso — mas pode haver inventários em que também as pessoas chegam a acordo mas querem fazer no fórum. Nos cartórios é tudo tão mais simples; isso dá um conforto naquele momento de tristeza. Mas pode-se fazer no fórum de uma forma mais célere: o arrolamento. Já na primeira petição, os herdeiros fazem a divisão, ou podem fazê-lo no fórum, com litígio; aí vai haver uma decisão judicial atribuindo a herança — o monte-mor, o patrimônio deixado pelo falecido — a cada um dos herdeiros.

Cláudia Stein recomenda que um advogado seja convocado para facilitar o processo. “O ideal seria que as pessoas consultassem um advogado antes — e aqui eu não tenho nenhum lobby –, porque pelo testamento é tão mais fácil deixar tudo organizado. No Brasil se tem aquela visão que só as pessoas muito ricas é que fazem planejamento, mas não: isso vale para quem tem uma casa, tem dois filhos. O inventário é um processo caro e, às vezes, as pessoas não têm dinheiro para, naquele momento, pagar imposto, advogado, eventual custo de escritura. O ideal é chamar o advogado o mais rápido possível, inclusive para salvaguardar o interesse dos herdeiros.”

Por fim, a especialista esclarece um fato quanto às dívidas deixadas pelo ente falecido. “As dívidas só serão pagas na proporção do patrimônio deixado. Se superar o patrimônio, o credor não recebe; nenhum herdeiro coloca a mão no bolso para pagar dívidas do falecido.”

Fonte da matéria: Claudia Stein, mestre e doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Professora de Direito Civil no curso de Pós-Graduação da Escola Paulista de Direito (EPD), na Escola Brasileira de Direito (EBRADI) e em diversos outros cursos. Coautora das obras “Direito e Responsabilidade”, “A Outra Face do Judiciário”, “Direito Civil — Direito Patrimonial e Direito Existencial”, todos sob coordenação de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; da obra “Separação, Divórcio, Partilhas e Inventário Extrajudiciais — Questionamentos sobre a Lei 11.441/2007”, sob a coordenação de Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado; da obra “Impactos do novo CPC e do EPD no Direito Civil Brasileiro”, sob a coordenação de Marcos Ehrhardt Jr.; coordenadora, juntamente com Águida Arruda Barbosa, e coautora, da obra “Direito de Família”, sob orientação de Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; coautora da obra “Transformações no Direito Privado nos 30 anos da Constituição — Estudos em homenagem a Luiz Edson Fachin”, sob a coordenação de Marcos Ehrhardt Júnior e Eroulths Cortiano Júnior; coautora da obra “Coronavírus: impactos no Direito de Família e Sucessões”, sob a coordenação de Ana Luiza Maia Nevares, Marília Pedroso Xavier e Sílvia Felipe Marzagão. Sócia do Stein Pinheiro e Campos Advogados.

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