A graça das multidões
Durante seus maiores momentos festivos, Gramado surpreende porque parece que este pequeno lugar foi construído para acomodar mais gente do que nele cabe. A prova é que não tem nada de normal uma cidade de 35.000 habitantes receber seis milhões de visitantes por ano e não virar confusão nem perder a graça.
Além disso, por maior que seja a quantidade de visitantes nunca faltam comida, alojamentos para hospedagem, atraentes vitrines para entusiasmar, belos lugares onde se acomodar para não fazer nada e próprias para ignorar até as mais incômodas preocupações. Por causa disso tudo, e mais um pouco, é que Gramado é o mais cobiçado destino turístico do país. E o mais legal de tudo, é que tantos auspícios positivos conseguem até espantar o medo do Covid-19.
Um componente tranquilizador a favor da temerária gana que as pessoas têm por vir à Gramado nesses tempos, é que a maioria delas são jovens e saudáveis – qualquer sinal de Covid faz com que elas permaneçam em casa. Desse modo, as calçadas e ruas abarrotadas são mais sinal de confortável alegria do que receio de ficar doente.
Observando o fluxo turístico desse fim de agosto, dá para concluir que a pandemia se tornou um estimulante evento turístico. Iluminado por resplandecentes ares de tragédia, associou necessários cuidados à intensificação da vontade de viver, de levar a sério as ameaças que podem pairar sobre a vida. E a alegria compensatória é tanta que invadiu as cerimônias fúnebres, que caíram em lamentável mediocridade, perdendo completamente o suave ar trágico que lhes deu tanta fama.
Os moradores e empresários da cidade, contudo, fazendo vistas grossas à algumas evidências sanitárias, se deram conta de que as multidões que pegam o vírus em suas visitas a Gramado vão adoecer em outros lugares e gastar os respiradores de lá, deixando os nossos para uso doméstico. Assim, sob muito favorável expectativa, estamos vivenciando a prosperidade sem risco à nossa saúde e a improvável superlotação do Arcanjo São Miguel.
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